O dever de revelação tem sido objeto de debate por muitos juristas, em especial, estudiosos da arbitragem, em decorrência do Projeto de Lei nº 3.293/2021 (“PL”), que visa alterar a Lei de Arbitragem Brasileira para, entre outros, “disciplinar a atuação do árbitro” e “aprimorar o dever de revelação”.
Como forma de complementação ao dever de proceder com imparcialidade e independência previsto no art. 13, §6º da Lei de Arbitragem, o art. 14§, 1º da mesma norma dispõe que :
- 1º As pessoas indicadas para funcionar como árbitro têm o dever de revelar, antes da aceitação da função, qualquer fato que denote dúvida justificada quanto à sua imparcialidade e independência. (g.n.)
Nas palavras de Selma Maria Ferreira Lemes, o dever de revelação “se presta a demonstrar a inexistência de liames de natureza social (amigo íntimo ou inimigo figadal), financeira, comercial e de parentesco entre os árbitros e as partes”. Dessa forma, antes de aceitar a nomeação para atuar como árbitro(a) – e durante todo o procedimento arbitral -, o(a) profissional deve fazer uma checagem de conflitos de interesse, que possam revelar eventuais relações aptas a afetar a sua independência e imparcialidade aos olhos das partes do procedimento arbitral.
Veja-se que a Lei de Arbitragem, em consonância com as legislações estrangeiras, dispõe que a dúvida que acarreta o dever de revelação do(a) árbitro(a) deve ser “justificada”, expressão esta que leva em consideração qualquer dado relevante que seja capaz de gerar às partes desconforto e insegurança em ter aquele profissional como julgador do conflito instaurado entre elas. Em outras palavras, o fato a ser revelado deve denotar o rompimento da confiança das partes em relação ao(à) árbitro(a) – art. 13, caput da Lei de Arbitragem – e gerar dúvida quanto à possibilidade de obtenção de uma decisão justa e isenta por parte do profissional.
No entanto, o PL tem por fim substituir a expressão “dúvida justificada” por “dúvida mínima”, conceito este manifestamente subjetivo e sem qualquer justificativa plausível ou razão de ser. Em verdade, esta expressão, caso aprovada, pode gerar uma obrigação de difícil cumprimento pelo(a) profissional nomeado para atuar como árbitro(a), que evidentemente possui amplas relações sociais e profissionais – não foi à toa que foi indicado para referido cargo -, e aumentar o número de alegações frívolas com relação ao dever do(a) árbitro(a) de julgar a controvérsia com independência e imparcialidade, tal como manda a lei, além de lhe exigir que apresente revelações desconexas da realidade e distantes do caso concreto.
Fato é que este conceito vai em sentido contrário às referências internacionais a respeito do tema em voga, em especial o art. 12(2) da Lei Modelo da UNCITRAL (que inspirou a Lei de Arbitragem Brasileira) e as Diretrizes da IBA sobre Conflitos de Interesses em Arbitragem Internacional, e deve ser – como já vem sendo – combatido, sob pena de gerar maior incerteza e insegurança jurídica nos procedimentos arbitrais, diante do potencial aumento do número de impugnações por motivos vazios, táticas de guerrilha e ações anulatórias.